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sábado, 8 de março de 2014

O que aprendi com 8 de março

Maria Isabel Gago, primeira professora da escola de engenharia nacional.
Maria Isabel Gago, primeira professora da escola de engenharia nacional.
Ainda lembro do primeiro 8 de março que me dei conta. Houve algum evento na escola. Algo que tinha a ver com homenagem e as professoras diziam que os meninos precisavam ser mais gentis com as meninas naquele dia. Foi em casa que descobri o motivo – o falso motivo da fábrica incinerada – mas, naquela época ainda não era um falso motivo. Eu vi o filme também. Meus pais sempre falavam que eu precisava estudar muito para, quando casasse, pudesse fazer isso por amor e não por interesse. Falavam sobre não precisar de ninguém para meu sustento, para não ter de ser servil. Falavam sobre eu poder ser o que eu quisesse. Ganhei uma arminha de brinquedo porque eu pedi e nunca me foi dito que era brinquedo de menino. Ora, eu era uma das Panteras! Como uma detetive não andaria armada? Minha casa era diferente em muitos aspectos, logo, como eu poderia compreender completamente o que significava 8 de março?
Quando meu pai me explicou aquela história do 8 de março, eu compreendi que mulheres, especialmente as pobres, valiam menos.
Depois, aprendi que meu pensamento também podia valer menos, quando ouvi de um garoto, na escola: “cala a boca porque tu é mulher”.
Estudando história na escola, aprendi a mentira de que o mundo “era construído” por homens, enquanto as mulheres ficavam em casa criando filhos, cozinhando, lavando, costurando. (É o motivo da imagem que ilustra este post).
Aprendi que querer trabalhar fora (de casa) significava trabalhar mais, pois o trabalho de casa não diminuía.
Aprendi que se eu quisesse um trabalho num mundo corporativo não precisaria me destacar apenas num certo número de pessoas, precisaria superar os homens. E essa noção me ajudou a ver o privilégio (não escolhido) de ser branca, pois os meninos e meninas negros estavam em situação ainda pior. E eu comecei a falar sobre isso ser errado.
Aprendi que as pessoas temiam as mulheres que falavam, mais ainda as que falavam alto.
Aprendi que termos como histeria, TPM, louca, eram usados para desqualificar a fala das mulheres.
Aprendi que as pessoas se agridem se você, mulher, não se parece com o que elas imaginam.
Aprendi que, em alguns lugares, as mulheres valem tão menos, que seu infanticídio ou aborto, seu estupro ou morte, sua tortura ou mutilação não recebem sansão.
Aprendi que ser menina pode ser uma sentença.
Aprendi que, ao andar na rua, eu deveria temer todos os homens que passassem por mim.
Aprendi que era preferível, numa cidade de porte médio, andar a pé do que de ônibus, para não aguentar mãos e membros estranhos se colando no meu corpo.
Aprendi que eu seria mais valorizada se dissesse não.
Aprendi que qualquer comportamento meu que não correspondesse aos desejos dos outros, me desqualificaria.
Que eu me desqualificaria se expressasse os meus desejos.
Aprendi que sempre e em qualquer ocasião: a culpa é minha.
Então, mesmo estando vivendo um 8 de março admirável – pois nunca vi tanto movimento de mulheres (e homens) contra tudo isso – eu ainda não gosto da data. Ela é amarga. É triste. Seu aprendizado foi um dos mais duros que já tive. E o mais necessário.
 Sul21, por Nikelen Witter

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