O Brasil da mídia e o país real
Há 50 anos, como agora, existiam dois Brasis: o real e o inventado pela mídia. Pesquisa do Ibope, feita à época, e só agora revelada, mostra que 72% da população brasileira apoiava o governo
RBA: por Lalo Leal publicado 15/03/2014
Em março de 1964, o quadro era semelhante, embora houvesse um fantasma a mais, além do descalabro administrativo: o “perigo vermelho” representado pelo comunismo. Para a mídia, ele estava às nossas portas.
A televisão e demais meios de comunicação se prestavam a esse serviço de doutrinação diária azeitados por fartos recursos vindos de grandes grupos empresariais canalizados por meio do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), em estreita colaboração com a agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA.
O principal mensageiro televisivo dos alertas sobre a “manipulação comunista” do governo Goulart era o jornalista Carlos Lacerda. Apesar de afinados ideologicamente com os golpistas, os veículos de comunicação não faziam isso de graça.
Segundo o economista Glycon de Paiva, um dos diretores do Ipes, de 1962 a 1964 foram gastos nesse trabalho de desinformação US$ 300 mil a cada ano, em valores não corrigidos. Os dados estão no livro O Governo João Goulart, As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964, do historiador Moniz Bandeira.
“O Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública, através do seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e TV de Assis Chateaubriand, por intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do Ipes), a Folha de S.Paulo (do grupo de Octavio Frias, associado do Ipes), o Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde (do Grupo Mesquita, ligado ao Ipes, que também possuía a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo)”, relata René Armand Dreifuss, no clássico 1964: A Conquista do Estado.
Foi um período longo de preparação do golpe, e quando ele se concretizou a mídia ficou exultante. O Globo estampou manchetes do tipo “Ressurge a democracia”, “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restabelecida”. Sob o título “Bravos Militares”, o jornal da família Marinho, no dia 2 de abril de 1964, dizia que não se tratava de um movimento partidário: “Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira”. O Estadão seguia na mesma toada, enfatizando “o aprofundamento do divórcio entre o governo da República e a opinião pública nacional”.
Foram necessários 50 anos para termos a confirmação que o tal divórcio não existia. Pesquisa do Ibope, feita à época, e só agora revelada graças ao trabalho do historiador Luiz Antonio Dias, da PUC de São Paulo, mostra que 72% da população brasileira apoiava o governo. Entre os mais pobres, o índice ia para 86%.
E se Jango pudesse se candidatar nas eleições seguintes, previstas para 1965, tinha tudo para ser eleito. Pesquisa de março de 1964 dava a ele a maioria das intenções de voto em quase todas as capitais brasileiras. Em São Paulo, a aprovação do seu governo (68%) era superior à do governador Adhemar de Barros (59%) e à do então prefeito da capital, Prestes Maia (38%).
Dados que a mídia nunca mostrou. Para ela, interessava apenas construir um imaginário capaz de impulsionar o golpe final contra as instituições democráticas.
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