Médico cubano: “Não é o dinheiro que nos
move a ficar aqui”
Médico cubano desabafa: “Não é o dinheiro que deve nos mover”
Destacado
para trabalhar em UBS de Fabriciano, Aramys Cruz diz que todos estavam a par de
salário modesto.
Um dos 20
médicos cubanos que estão trabalhando na Região Metropolitana do Vale do Aço,
Aramys Cruz, de 38 anos, quebrou o protocolo e aceitou ceder entrevista para
falar sobre assuntos que são evitados, ou pelo menos tratados com reserva, pela
maioria dos seus compatriotas que estão no Brasil para atuar no programa Mais
Médicos, implantado em julho de 2013 pelo governo federal. Aramys Cruz é um dos
cinco médicos cubanos que vieram para Coronel Fabriciano. Ele está trabalhando
na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro São Domingos.
Natural do
município de Banes, Província de Holguín, que fica a 760 quilômetros de Havana,
Aramys formou-se na Universidade de Ciências Médicas Mariana Grajales, de
Holguín. Ele é especialista em Medicina Geral e Integral e tem 16 anos de
experiência na área. Além do Brasil, já trabalhou no Haiti, Paquistão e
Venezuela.
Em
entrevista ao Jornal VALE DO AÇO, Aramys compara o trabalho dos
cubanos no Brasil, cujo contrato para atuar no ‘Mais Médicos’ é de três anos, a
uma “ajuda humanitária”, e critica a opção da cubana Ramona Matos Rodriguez,
que desertou do programa no início deste mês e pediu asilo no Brasil.
Sentindo-se bem adaptado em Fabriciano, ele opina sobre assuntos polêmicos,
revela sua paixão por futebol e defende o estilo de vida cubano. Confira!
JVA – Como foi a sua adaptação desde que chegou ao Brasil?
ARAMYS – Quando chegamos ficamos um mês em
Belo Horizonte fazendo um curso de avaliação no Sesc Venda Nova, onde vimos
toda a panorâmica do sistema de saúde do Brasil e fizemos um curso de língua
portuguesa. Quando chegamos em Coronel Fabriciano tivemos uma acolhida muito
boa. As autoridades do município nos acolheram com carinho e nos deram toda a
sua ajuda para que tivéssemos uma rápida adaptação. A acolhida dos habitantes
daqui também foi muito boa. O povo brasileiro tem características muito
similares ao povo cubano, na forma da cultura, da alimentação e isso nos ajudou
para que tivéssemos uma melhor adaptação.
JVA – Sofreu algum tipo de preconceito no Brasil?
ARAMYS – Não. As pessoas nos acolheram
bem. Adaptamo-nos muito bem à vida cotidiana em Fabriciano.
JVA – Qual a realidade que você encontrou na UBS do bairro São Domingos?
ARAMYS – O que mais me chamou a atenção
foi a característica dos pacientes, das pessoas que ali são assistidas. São
pessoas muito necessitadas, que precisam de atenção médica. E pessoas de muito
baixo recurso e que realmente precisavam da nossa paciência ali.
JVA – Muitos médicos cubanos veem sua participação no ‘Mais Médicos’
como uma “ajuda humanitária” ao país. O senhor também entende dessa forma?
ARAMYS - Sim. Nossa tarefa cabe precisamente
suprir uma necessidade de atenção médica das pessoas de mais baixo recurso. Já
estamos acostumados a isso porque ficamos em vários países. Estivemos atendendo
países que passaram por grandes catástrofes, como o Haiti. Estivemos no
Paquistão, cinco anos na Venezuela, sempre guiados por este sentimento de ajuda
à humanidade, de fazer pelos que menos têm e sentirmos úteis para a humanidade
necessitada.
JVA – O senhor sabe detalhes do contrato do Brasil com a OPAS
(Organização Pan-Americana da Saúde), que viabilizou a vinda dos médicos
cubanos para o nosso país?
ARAMYS – Uma vez que foi dada a
possibilidade de ficarmos no Brasil, nos foi entregue o contrato com todas as
características do ‘Mais Médicos’.
JVA – É verdade que, pelo contrato, o salário dos cubanos que atuam no
‘Mais Médicos’ é de US$ 1 mil, sendo que vocês recebem US$ 400 (R$ 964) para
custear a vida no Brasil, e que os outros US$ 600 (R$ 1.446) são depositados em
uma conta em Cuba?
ARAMYS – Realmente, sim. Se vamos ficar no
Brasil por uma questão humanitária, não é o dinheiro que deve nos mover a ficar
aqui. Nós estamos acostumados (a isso) de forma geral. Nossos médicos cubanos
são formados em um ambiente de ajuda humanitária, de internacionalismo
proletário. Somos desinteressados de uma realidade de dinheiro. Dinheiro
não é o que nos move a ficar fora do nosso país. O que nos move é ajudar a
outros países que estão necessitados realmente de uma atenção médica.
JVA – O senhor vê necessidade de no Brasil, assim como em outros países,
a medicina estar mais voltada para a ajuda humanitária?
ARAMYS – Realmente essa deve ser a base
do proceder médico. A medicina é a profissão mais humanitária que o homem pode
escolher. A medicina surge para tratar o ser humano necessitado e doente, e não
precisamente como uma mercadoria.
JVA – Como o senhor avalia a conduta da cubana Ramona Rodrigues, que
desertou do ‘Mais Médicos’ e pediu asilo no Brasil?
ARAMYS – Essa não é a nossa razão de ser. Ela
não representa a nossa conduta. Somos milhares aqui no Brasil e uma só pessoa
não representa o sentido de ser dos demais médicos cubanos.
JVA – Quais os pontos positivos da medicina cubana em relação ao Brasil?
ARAMYS – Primeiro é a experiência que nós
temos de quase 30 anos em medicina da saúde na família. Portanto, temos mais
experiência nessa área. Penso que aí é o maior diferencial. É preciso
fortalecer o programa Saúde da Família porque, precisamente, é melhor promover
e prevenir enfermidades do que curar enfermidades.
JVA – Como é viver em um país socialista? O povo cubano se sente feliz
com o regime que tem?
ARAMYS – Não concordo que essa seja a
definição do nosso regime. De qualquer forma, para mim não há sociedade 100%
justa. Porém, acho que meu país é um dos melhores onde você pode viver, porque
tem assistência médica gratuita, tem educação gratuita. Então acho que sempre
houve uma campanha contra o nosso país. Mas é um sistema que está desenhando
para o bem-estar do ser humano.
JVA – Mudou alguma coisa em Cuba desde que Raúl Castro assumiu o
governo, no lugar de seu irmão, Fidel Castro?
ARAMYS – Acho que sim. A sociedade não pode
ficar estancada. A sociedade tem que variar, tem que trocar o que tem que ser
trocado. E vamos melhorando e alcançando uma sociedade mais justa.
JVA – O que Fidel Castro representa para a nação cubana?
ARAMYS – Para nós Fidel representa a
verdade, o desenvolvimento, o bem-estar humano. Uma sociedade mais justa e mais
igualitária.
JVA – Se pudesse, você traria sua família para morar no Brasil?
ARAMYS – Tenho três filhos e eles estudam.
Então é melhor que fiquem por lá.
JVA – Você está carregando um chaveiro do Cruzeiro. Fale um pouco da sua
paixão pelo futebol?
ARAMYS – Minha preferência de clube é o Real
Madri. Sou madrilhista desde pequeno. Um dos meus filhos chama-se Roberto
Carlos em homenagem ao lateral-esquerdo brasileiro que jogou no Real. Mas aqui
torço pelo Cruzeiro. Cheguei e já sou campeão (risos). Em se tratando de
seleção, primeiramente a Argentina, e logo torço pelo Brasil e posteriormente
Espanha. São minhas três seleções, mas primeiramente a Argentina.
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