E se nossos partidos fossem bandas de música?
Muito se diz que os partidos políticos estão muito desgastados. Seriam
parte na crise de representação política geral que afeta não só o Brasil, mas o
mundo. Pra muita gente partido é coisa chata, pesada, quase dispensável. De
fato muitos eleitores preferem votar em pessoas, e não em partidos. Se os
partidos fossem bandas de música podíamos dizer que grande parcela do
eleitorado escolhe pela cara e pelo jeito do vocalista, e pouco se importa com
os músicos que o acompanham. Se é assim, se a metáfora vale, fica a pergunta: e
se nossos partidos políticos fossem bandas, como eles seriam? Seguem meus
palpites, já em espírito de Carnaval e das brincadeiras típicas desta época do
ano.
PSDB – Banda sofisticada, sendo que alguns de seus músicos têm formação
erudita, obtida em conservatórios no exterior. É um conjunto que toca jazz,
rhythm & blues, folk e rock progressivo. Seu ritmo preferido, no entanto, é
a bossa nova, por alguns maldosamente chamada de “samba de apartamento”, dado
seu caráter um tanto elitizado. Ressalte-se que a cena musical brasileira
andava uma bagunça quando o PSDB começou a dar o tom na política nacional. Com
a sua bossa nova os tucanos recolocaram o Brasil no mapa musical do mundo, após
as décadas de marchas militares e a barafunda melódica dos anos 1980. No
entanto desde que foram solapados na preferência do público pelos rapazes do PT
eles passaram a ser vistos por aí como uma banda meio demodée. Mas
isso não importa, afinal a bossa nova continua sendo sucesso lá fora, soa muito
bem aos ouvidos gringos, e aqui ela é quase sempre trilha sonora da novela das
nove, na qual as pessoas de bem da zona sul carioca vivem em perfeita harmonia
com o núcleo pobre da trama, oriundo de subúrbios festeiros e felizes. Se já
não é o sucesso de público de outrora, a banda tucana ao menos continua tendo
fãs entre boa parte dos críticos. E isso mesmo com muita gente lembrando que o
grupo há tempos não lança repertório novo com músicas inéditas.
PT – No início era um grupo de punk rock. Formado por gente que vinha de
variadas experiências musicais anteriores, o que unia a todos os seus
componentes era a aparente rejeição ao mercado e um desejo difuso de
revolucionar a cena musical brasileira. Sem grana, praticamente uma garage
band, o PT tocava com equipamentos precários, fazendo shows nas periferias
e portas de fábrica. Mas seus músicos eram bastante sintonizados com as novas
tendências que rolavam na Europa naquela época, fim da década de 1970, início
dos anos 1980. E sempre se identificavam muito mais com o som que o operariado
fazia naqueles tempos na Inglaterra, na França e na Alemanha do que com a
musicalidade burocrática do proletariado soviético. Cânticos católicos, pitadas
de ritmos caribenhos e o arrasta-pé do sertão nordestino também foram
influências importantes nos primeiros anos da legenda. Mas ai um belo dia, como
sempre acontece com as bandas alternativas, alguns componentes do partido
quiseram deixar de ser indies e o grupo acabou assinando um
contrato com as grandes gravadoras. A banda deu então uma repaginada no visual,
trocou as letras ácidas por canções de amor e chegou às paradas de sucesso.
Alcançou não apenas o 1º lugar entre as mais tocadas como conquistou um lugar
no coração do grande público. Obviamente que esse processo não ocorreu sem dor,
e aqueles membros que queriam se manter fiéis ao som original foram convidados
a deixar o grupo por conta das tais “ergências musicais”, sempre elas. Primeiro
saiu a turma que formou as bandas PSTU e PCO, e mais recentemente, já após o
estrondoso sucesso petista, outros componentes deixaram o conjunto musical e
fundaram o grupo PSOL. Na crítica especializada muita gente diz que a
sonoridade petista anda muito melosa e repetitiva, e que a banda já não
consegue mais compor os hitsque lhe deram sucesso no passado
recente. Entre o público, porém, o grupo parece continuar sendo o que tem a
maior quantidade de fãs. Se hoje em dia empolga as massas, o som romântico
petista é visto porém com desdém pelos adoradores de bossa nova e guarda pouca
semelhança com a proposta musical mais radical do passado.
PMDB – é uma dessas orquestras que existem há muito tempo, com anos e
anos de estrada. Sempre com muitos músicos, vindos de todas as partes do país.
Todos muito experientes, dominam os mais variados instrumentos de corda,
teclas, metais, madeiras e percussão e transitam pelos mais diferentes ritmos.
Tocam nas mais ersas ocasiões sociais e políticas. Têm habilidade para passar
da valsa ao punk, do samba ao funk, da moda de viola ao baião. Todos que
alcançam as paradas de sucesso querem ter o apoio dessa orquestra para o caso
de algum imprevisto. Foi assim com a banda tucana e tem sido assim com a banda
petista. Acostumado a secundar os artistas do momento, o que tem faltado ao
partido nos últimos tempos, porém, é um crooner. Um popstar pra
chamar de seu.
PSB / Rede – Banda que promete sacudir a cena musical com uma batida nova, por
ela batizada de “nova política”. O grupo faz um mix de vários ritmos, como o
forró pernambucano, o sertanejo universitário engajado e os tambores da
floresta. Também tem influência do somnew age de empresas
ecologicamente corretas. Vai fazer sua grande estréia nos palcos no festival
musical de outubro, e muita gente aposta que pode surpreender, tocando algo
diferente dos hit parades petistas e da nostalgia musical
tucana. Seu vocalista, no entanto, parece que tem ouvido cada vez mais bossa
nova. A conferir.
DEM – Conjunto com influências musicais bastante antigas, que vêm das
extintas bandas PDS, Arena e UDN. Alguns críticos chegam a situar os músicos do
DEM como receptores da herança melódica dos antigos partidos republicanos
estaduais do início do século passado, ou até mesmo dos partidos Liberal e
Conservador da época do Império, formados por senhores de terra. Já tocaram com
a orquestra peemedebista na década de 1980, quando o grupo chamava-se PFL, e
desde os anos 1990 são parceiros musicais da banda tucana.
PCB – conjunto musical muito antigo, de 1922, durante décadas tocou o
metal proletário que emanava do Leste Europeu. Nos anos 1990 uma parte de seus
componentes deixou a banda e fundou o PPS, aproximando-se da turma da bossa
nova e lançando vários rocks com letras críticas à banda petista. Os membros
que permaneceram no grupo PCB continuaram sua trajetória musical, que não tem
nenhuma identidade melódica com o PPS.
PcdoB – grupo musical do início dos anos 1960, o PcdoB sempre tocou uma
espécie de heavy metal muito específico, que na verdade era uma variação do
metal soviético tocado pelo PCB acrescida de pitadas de música chinesa e
albanesa. Mais recentemente suavizou suas melodias e tem se apresentado em
shows conjuntos com a banda petista.
PDT – Tocava os bolerões dos anos 1950 até algum tempo atrás. “Bota o
retrato do velho outra vez” foi, durante muito tempo, a canção mais executada
pela banda. Depois do desaparecimento de seu lendário vocalista, que gostava do
vanerão, do xote gaúcho e da milonga mas curtia também fazercovers de
punk e metal, enveredou por ritmos musicais mais suaves.
PSOL – banda formada por ex-músicos petistas, quer recuperar o punk
visceral do PT de raiz. Seguem buscando a batida perfeita, mas as vezes parecem
estar mais preocupados é em se diferenciar das melodias românticas do petismo.
PSTU e PCO – seguem fazendo o punk e o metal que agradam a uma pequena
parcela da sociedade, a qual lhe é muito fiel. Mas permanecem desconhecidos do
grande público.
PP, PR e PTB – À semelhança da banda peemedebista, porém sem tantos
componentes como aquela orquestra, são grupos musicais formados por gente que
já tocou por todo o país, com os mais variados artistas e os mais variados
ritmos. Experiência e capacidade de adaptação não faltam a estes grupos.
PV – Banda surgida nos anos 1980, época da new wave. Muitos
achavam que o grupo fazia um som cabeça, conceitual, com letras inovadoras que
iam muito além da velha temática capital / trabalho tão comum no repertório de
tantos outros conjuntos. A banda tinha um vocalista moderno, forjado na
resistência às marchas militares da década de 1960, mas acabou não alcançando o
sucesso de público que se esperava. Mais recentemente o grupo se apresentou em
conjunto com a banda tucana.
PSD – Banda criada há poucos anos, segundo muitos críticos seria um
projeto solo de seu vocalista. Em pouco tempo atraiu muitos músicos de outros
grupos e aos poucos tem conquistado fatias importantes da cena musical
brasileira.
PSC – Grupo musical surgido em cultos religiosos, tem grande potencial
de crescimento visto que há cada vez mais gente curtindo música gospel neste
país.
PROS e SDD – bandas novas, mas formadas por componentes que já tocaram
em muitos outros grupos. Também estrearão no festival de outubro.
Para além das bandas, há outros ritmos bombando por ai. Tem uma garotada
tocando bumbo nas ruas, sem ligar muito para os partidos. Ainda não é certo se
o som que fazem terá influência no festival. Pra alguns eles não sabem ler
partitura e só fazem ruído. Pra outros eles estão fazendo uma bela jam
session nas ruas desse país e criando a playlist dos
próximos anos na política nacional. A ver. E há ainda quem diga que o festival
de outubro poderá ter um cantor solo, estreando nos palcos da política com sua
ária, talvez aguardada ansiosamente por uma parcela não-desprezível da platéia.
Será? Sem banda, qual seria o compasso de sua campanha e o arranjo de seu
eventual governo?
Jornal GGN: Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor
do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de
Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.
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