Sou filha do meu tempo e
espaço. Nascida numa família cristã, desde pequenina o natal significou
presépio, ou seja, a montagem da hora mágica na qual um menino veio ao
mundo para anunciar uma boa nova. E, com ele, a promessa de que haveria
outra aliança e que nossos pecados todos estariam perdoados. Lá em casa
sempre demos prioridade a isso. Nunca ao Papai Noel, brinquedos,
compras, etc... A expectativa era a chegada do menino. Eu mesma sempre
colocava o sapato na janela, mas a mãe explicava: “os presentes não são
coisas, são sentimentos e desejos”. Então, quando o dia amanhecia eu
entendia que um gurizinho tinha nascido e, por força da mágica da
religião, também havia passado pela janela deixando amor, saúde, alegria
e todas essas coisas boas. E recolhia aquele sapato como se fora a
coisa mais preciosa do mundo.
Na minha mente de
criança eu imaginava não um velhinho montado no trenó, com renas e todas
estas coisas da celebração européia. Eu acreditava piamente que havia
um menino, bem sapeca, magrelinho e sem camisa, que saracoteava pelo
mundo, montado numa grande estrela, levando presentes invisíveis aos
olhos. E eu esperava o ano inteiro por esta noite de passeio divino. E o
legal era que o fato dele ser um guri tirava toda a pomposidade do
sagrado filho. Era como esperar um amigo, coisa íntima.
Depois eu cresci e fui
conhecendo outros mitos, outras religiões. Aprendi a dar pago à terra
(Pachamama) em agosto, a respeitar o trovão, a folha de coca, as
plantas, os animais. Aprendi a honrar Kuaray, jacy, Ñanderu. Aprendi a
reverenciar outras manifestações criadas pelo humano para sustentar suas
dores e medos. Porque é disso que se trata quando se fala de deuses.
Eles são redes nas quais descansamos de nossos terrores. E, esta
construção humana me enche de ternura, porque reconheço aí a fragilidade
da nossa raça. Isso me emociona.
Mas, apesar de tudo o
que aprendi sobre os outros deuses, o natal ainda me encanta de um jeito
muito especial, talvez porque esteja colado na minha mãe, que já
encantou. Então, a despeito de todas as impossibilidades, eu espero o
menino. Às vezes, nos tumultos familiares ou no barulho da festa, pode
parecer que eu o esqueci, mas não. Lá no fundo do meu coração, eu o
espero. E o vejo chegar, montado na estrela, rindo seu riso de cristal.
Também a despeito de tudo, ainda deixo meu sapato na janela e o recolho
de manhã com a absoluta certeza de que ali dentro estarão os presentes.
Os que verdadeiramente importam.
E, assim, nesta natal, como em todos os outros já vividos, meu jesuzinho haverá de vir passear. E eu estarei esperando...
Que ele passe por aí também!...
Fonte: http://www.eteia.blogspot.com.br/
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